quarta-feira, 15 de julho de 2009

RECEITA DE COLOMBINAS




Não me sinto, exatamente, um puritano. Sempre desconfiei, no entanto, do caráter daqueles que se consideram honestíssimos mas, aquí e ali, corneiam suas parceiras. Na casa de meus pais, na minha escola e no livro de catecismo, a advertência sempre foi objetiva e sumária: trair é uma atitude altamente reprovável. Era assim nos romances do século XIX, como “Madame Bovary” ou “Primo Basílio”, em que nada menos que a morte compensava a pulada de cerca. Era assim nas óperas novecentistas, que, para muitos, substituíram a literatura italiana esparsa do período. Nos tempos atuais, no entanto, onde impera o politicamente correto, a traição não é mais a mesma. Ela é compartimentada, alocada em nichos de primeira, segunda e terceira classes, a chamada versão light, em que a galinhagem do sujeito traidor tem rápida redenção, com a piscadela de olhos permissiva da sociedade e o beneplácito lascivo da mídia. Um império de Colombinas e Arlequins pós-modernos.
Há pouco participei de uma “Aida” (G. Verdi), libreto de Ghislazoni, onde o personagem do general Radamés, justamente por não ceder às tentações da traição, coitado, perde geral. É sepultado vivo. Foi justamente durante essa produção que aprendi com um dos colegas, "napoletano" legítimo, a receita da pasta alla puttanesca, aquela em que, reza a tradição, a "puttana", que andou “ocupadíssima” durante todo o dia, corre para a cozinha e prepara às pressas a iguaria, antes que o "cornuto" chegue para jantar. A fórmula, evidentemente, é rápida e simples. Fiquei surpreso ao saber que na receita original napolitana não entram as anchovas salgadas (que eu, particularmente não gosto, pois confere a tudo gosto de maresia). Nosso amigo afirmou também que os tomates brasileiros têm um paladar muito ácido, daí a receita com tomates italianos enlatados.

PASTA ALLA PUTTANESCA

1 pacote de massa italiana (de preferência fusilli ou penne)
1 lata de pomodori pellati (hoje em dia se encontra em qualquer supermercado)
100 gr. de azeitonas pretas (melhor retirar o caroço)
100 gr. de alcaparras (deixadas de molho para tirar um pouco do sal)
2 dentes de alho bem socados
1 punhado de folhas de manjericão
Azeite de oliva
Sal e pimenta branca moída na hora

Cozinhe a massa em água salgada, conforme as indicações da embalagem*. Enquanto isso, frite o alho em boa porção de azeite. Quando este dourar, retire-o e descarte-o. Acrescente então as alcaparras, as azeitonas e os pomodori pellati, devidamente escorridos**. Deixe refogar em fogo brando até que os tomates se desmanchem. Prove o sal, acrescente a pimenta. Junte então a massa deixe aquecer, aplique as folhas de manjericão e sirva, tal e qual.
* uma dica: para que a massa fique de fato al dente, deixe cozinhar um minuto a menos do que o tempo indicado na embalagem. Assim, quando esta voltar ao fogo, o próprio molho se encarregará de cumprir o prazo de cozimento. Faço isso sempre. Garanto que fica exatamente no ponto.
** não caia na tentação de colocar o líquido junto. Ele é bonito, vermelho, mas traiçoeiro. O Molho alla puttanesca deve ter uma textura quase pastosa e não pode ficar muito tempo no fogo para “secar”. Assim, aproveite o líquido num bom bloody-mary, por exemplo.
Uma informação final: quase sofri demissão sumária do elenco quando fui surpreendido tentando cometer o supremo sacrilégio de ralar um pouco de parmigiano sobre a massa.
Mas, muito cá entre nós: em tendo a segurança de não haver nenhum patrulheiro napolitano a vigiar, despeje uma boa porção de parmigiano-reggiano por cima de tudo. Fica uma maravilha! Eu garanto.