sábado, 11 de julho de 2009

A COZINHA DO TSAR



A jornalista Dada Rosso criou para a pequena casa editorial Il Leone Verde, de Turim, Itália,responsável por uma coleção que junta culinária e literatura, "Leggere è un gusto", o livro "A Tavola con gli zar- La cucina dei narratori russi" (À mesa com o tsar- a cozinha dos narradores russos). Nele, ela investiga, com muita seriedade, as receitas que surgem na literatura de Tólstoi, Dostoievski, Gogol e Tchekov, entre outros. Surgem tortas, sopas, roscas de Páscoa, mas,sobretudo,uma unanimidade: o blini. Nos contos de Tchekov, por exemplo o personagem Simeon Petrovic Podtikin derrama-se gulosamente sobre um blini quentinho, de crosta crocante, sobre o qual passa manteiga e, lentamente, esparrama caviar, salmão, anchova, sardinha, enquanto molha os lábios com a vodca bem gelada. Em "As almas mortas", de Gogol, por sua vez, o personagem Cicikov se extasia diante de uma mesa onde pontificam fungos marinados, pastas de cebola e queijo branco, e blinis, deliciosos, mas não tanto quanto ele gostaria. Abaixo, uma receita básica da especialidade que, a propósito, pode ser desgustada com recheios doces, também.
RECEITA RÁPIDA DE BLINIS
2 xícaras de farinha de trigo
2 xícaras de farinha de milho
6 xícaras de leite
4 ovos
2 colheres de açúcar
3 colheres de manteiga
1 colher de bicarbonato
1/2 limão
2/8 de xicara de água

Misture as duas farinhas com leite, acrescente as gemas de ovo, e a manteiga ligeiramente aquecida, o açúcar e o sal. Em 1/4 de xícara de água dissolva o bicarbonato e em um outro 1/4 de água, o suco de meio limão. Derrame esses ingredientes sobre a farinha e misture. Bata as claras em neve e incorpore. Faça cozinhar os blinis numa frigideira bem quente e untada de manteiga.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

TUDO TERMINAVA EM SOPA




Está no livro
"Achados da geração perdida", de Suzanne Rodriguez-Hunter, uma dedicada pesquisa em receitas da Paris dos anos 20 (editora Rocco), para resgate dos cardápios de Gertrude Stein, Scott Fitzgerald, Sylvia Beach e Ernest Hemingway.
Os finais de noite de então terminavam nos mercados de Les Halles, que tornara-se "símbolo do que se entendia por ser jovem" naquela época: "dançar até o amanhecer, sopa de cebola no Pied de Mouton ou no Pharamond e, enfim, ir para a cama, e recomeçar normalmente a mesma coisa na noite seguinte".

A FAVORITA DE TOUT LE MONDE
Sopa de Cebola Les Halles

Derreta, em fogo baixo, 1 colher de manteiga com 3 colheres de sopa de azeite de oliva numa panela grande de fundo grosso. Quando a manteiga e o azeite estiverem quentes, acrescente 6 xícaras de rodelas de cebola roxa. Cozinhe as cebolas com a panela tampada por 20 minutos até ficarem macias. Com a panela destampada, aumente o fogo para médio e acrescente 1 colher de chá de sal, um pouco de pimenta-do-reino moída e 1 colher de sopa de açucar; continue a cozinhar, mexendo de vez em quando, até que as cebolas fiquem bem douradas. Salpique as cebolas com 3 colheres de sopa de farinha de trigo e mexa levemente por 2 ou 3 minutos, para cozinhar a farinha. Retire por um momento a panela do fogo, adicionando aos poucos 8 xícaras de chá de consomê de carne fervendo e 1 xícara de vinho branco seco. Ponha-a de novo no fogo baixo e deixe cozinhar, com a panela parcialmente destampada, por 30 a 40 minutos. Pouco antes de servir, ponha 3 colheres de sopa de conhaque na sopa.
Enquanto a sopa estiver no fogo, pincele com azeite de oliva 4 fatias de pão francês com casca, para em seguida esfregá-las com 2 metades de dentes de alho. Ponha depois o pão num tabuleiro no forno pré-aquecido a 120ºC, por 15 minutos, até que o pão fique torrado e levemente dourado.
Quando pronta para servir, despeje a sopa bem quente em 4 pratos fundos, apropriados para ir ao forno: ponha as fatias de pão francês por cima, espalhando sobre elas 2 colheres de queijo Gruyère ralado. Borrife com um pouco de azeite de oliva e ponha no forno até que o queijo fique levemente gratinado. Sirva imediatamente.

terça-feira, 7 de julho de 2009

O GÊNERO FOODIE



Ouvi o termo, pela primeira vez, da boca de um agente literário na Feira de Frankfurt. Foodie? Referia-se a um livro onde a comida entra como elemento importante da trama. "Chocolat", de Joanne Harris, por exemplo,

onde a heroína Vianne prepara trufas deliciosas. Ou "Como água para chocolate", de Laura Esquivel, onde Tita dilui suas agruras em lidas culinárias. Ou ainda o bestseller da década de 60 "Nem só de caviar vive o homem", de J.M.Simmel, onde, entremeando cenas de suspense, o protagonista partilhava suas boas investidas gourmandes. As décadas mais recentes, no entanto, elevaram foodie a uma categoria importante, merecedora de verbete wikipédico, empenhado em diferençar um mebro desse grupo "moderno", do tradicional "gourmet". "Gourmets" são epicuristas de paladar refinado que podem ou não ser profissionais da indústria de alimentação, "foodies" são diletantes que amam comida pelo prazer de consumi-la, prepará-la e saber tudo a seu respeito. Gourmets, conclui a Wikipedia, estão atrás do prato perfeito, foodies querem informação, venha de onde vier. Muito mais vorazes os "foodies" obrigaram as editoras a produzirem livros com receitas de todos os tipos, e incentivarams escritores a revelarem seus dotes culinários, abrirem suas cozinhas, caderninhos de receitas da vovó, e revelarem suas manias. No Brasil poderíamos chamar os "foodies" de bons-garfos, até para evitar as aproximações que a palavra inglesa suscita em nossas mentes. Bom-garfo era Jorge Amado. Seu exemplo máximo de livro bom-garfo foi "Dona Flor e seus dois maridos". Não há como esquecer o bolo de massa puba que a distinta senhora ensinava em sua escola de arte culinária. Abaixo uma receita "clássica" do bolo em questão".

BOLO DE MANDIOCA PUBA

1/2 kg de mandioca puba
200 g de manteiga
350 g de açúcar
1 garrafinha de leite de coco
5 ovos
Bater muito bem a manteiga com o açúcar e a mandioca puba ralada. Tornar a bater mais ou menos uns 10 minutos para que a massa fique bem lisa. Juntar os ovos um a um, batendo sempre e, por fim, o leite de coco. Torne a bater bastante, para a massa ficar bem leve. Untar uma forma com manteiga. Levar a forno quente. Desenformar quando esfriar.

domingo, 5 de julho de 2009

BATATAS AO MURRO



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Álvaro de Campos

É muito engraçado. Acabo de me dar conta que as minhas primeiras investidas culinárias foram, na verdade, um escape às frustrações adolescentes. Todas as vezes que me sentia humilhado, rejeitado, aviltado de alguma maneira, corria para a cozinha e preparava uma omelete. Aliás, o soufflante de minhas omeletes, claras batidas até o "ponto de castelo", gemas passadas na peneira fina para retirar a película, era inversamente proporcional à contrição da alma. Lembro de um domingo quando voltava da missa e vi, num cantinho da praça, lá perto de casa, a então "razão da minha vida" atracada com um de nossos amigos. Foi a melhor omelete que jamais preparei.
Passados os anos e repassando, agora, o poema de Fernando Pessoa, inteiramente identificado com seu heterônimo, envio essa adaptação das tradicionais batatas ao murro portuguesas.
Suspeito que, se tivesse consultado um bom psicólogo, concluiria que isso não é uma receita, mas uma vingança.


BATATAS AO MURRO, à minha moda

Tome batatas médias, daquelas bem sujas, lave-as com uma escovinha e leve-as ao forno, com casca e tudo. Faça-as arder por mais ou menos 40 minutos. Retire, espere esfriar um pouco e, com o punho fechado, dê uma boa porrada sobre cada uma delas, de forma que rachem, mas não se esfacelem. Da mesma maneira como faria com aquele desafeto que você desejaria mandar para o purgatório, mas não para o inferno. À parte, num pilão, soque, com o íntimo prazer de estr subjugando a todos sob seus pés, um pequeno dente de alho, sal grosso, alecrim, tomilho, manjerona e manjericão o quanto bastem, vá juntando azeite aos poucos ( se tiver um perfumado com trufas, melhor ainda), até formar um caldo espesso. Regue cada batata com um punhado desse caldo, de maneira que o líquido penetre nas suas rachaduras, e leve ao forno mais uma vez, até que fiquem com bela aparência de assadas.
Sirva-as assim, quentinhas, acompanhando um bom naco de bacalhau cozido ou grelhado, ou mesmo, uma boa posta de peixe frito.
Esta é uma adaptação minha da receita tradicional portuguesa. Modestissima à parte, tenho certeza que os lusos assinariam embaixo desse ímpeto heterodoxo.