quarta-feira, 3 de novembro de 2010

BOLO DE CHOCOLATE AMARGO COM CALDA DE MORANGO


Os morangos estão todos estragados. Uma cor, vermelha escura, muito escura, a ondular uma superfície já amolecida. Haviam estragado como um todo: cada morango, um por um; cada morango, do toque dos dedos ao seu interior. Um coração apertado, aquele morango que joguei fora. O mais vulnerável, dada a sua exposição à beirada da caixa. Foi tomado pelo tom vermelho mais escuro de todos.
Morangos puros. Era a receita que separamos de um caderno de receitas da minha avó. Cortados em pequenos pedaços e jogados com água e pouco açúcar na panela. A calda aos poucos se formaria, como um conjunto de uma densidade só. Morangos, água e açúcar. Quentes, a molhar o bolo de chocolate amargo. Ele sugeriu sorvete, sorvete de baunilha por cima. Mas, eu disse, o sorvete ficaria demais, que viria a carregar o sabor. O azedo e o amargo. Eu preferia assim. Não havia espaço para o doce.
Pensei em Rimbaud naquele momento, que por doçura, perdu la vie. Era delicadeza, délicatesse na verdade. Seria a doçura a nota mais dissonante da delicadeza? O sentimento ali, mais vulnerável? Ele o era. Doce. Tão doce, que me fazia dormir todas as vezes que contava.
Olhou os morangos estragados, o vermelho escuro e não compreendeu. Por que? perguntou com uma voz desconsolada, agora que já era tarde, e a noite fechara todos os lugares. Eu lhe respondi, sem a tentativa de metáforas, sem amores, ou verdades maiores concebidas por um livro de autoajuda. Disse-lhe, pela força da voz, simplesmente, que morangos se consomem muito rápido.
O vermelho escureceu. Podemos dormir agora? perguntei.
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Bolo de chocolate amargo com calda de morango

Ingredientes
Para calda:
1 xícara de açúcar
1/4 de xícara de água
2 xícaras de morangos picados
Para a massa:
300 g de chocolate amargo picado
3/4 de xícara de manteiga cortada em pedaços pequenos (150g)
1/3 de xícara de geléia de framboesa
6 ovos
1 xícara de açúcar (180 g)
1/3 de xícara de farinha de trigo (40g)
1 colher (chá) de fermento em pó
Modo de fazer
- Prepare a calda: leve ao fogo baixo uma panela pequena com açúcar e a água. Misture somente até dissolver o açúcar e deixe ferver por 10 minutos, até a calda começar a engrossar um pouco. Junte o morango picado, aumente o fogo e cozinhe rapidamente por cerca de 5 minutos, para que não percam a forma. Reserve.
- Pincele com óleo o fundo de uma assadeira alta de 21 cm x 28 cm e forre-o com papel-manteiga. Unte bem o papel e as laterais da assadeira com manteiga e polvilhe com farinha de trigo.
-Prepare a massa: numa panela de fundo grosso, derreta o chocolate e a manteiga em fogo baixo. Adicione a geléia, misture bem e deixe amornar.
-Na batedeira, bata bem os ovos com açúcar até formar um creme esbranquiçado. Peneire a farinha e o fermento sobre a mistura de ovos e meixa com uma espátula. Aos poucos, junte o chocolate derretido, delicadamente.
-Espalhe a massa na fôrma preparada e leve ao forno moderado (180 graus), preaquecido, por cerca de 40 minutos ou até que na superfície do bolo se forme uma crosta leve e que, espetando um palito no centro, ele saia grudado em migalhas. Deixe esfriar por 5 minutos.
-Solte os lados do bolo da fôrma, passando a faca, e deixe esfriar mais um pouco. Siva o bolo morno com calda em temperatura ambiente.

domingo, 25 de julho de 2010

SOB O DOSSEL DE PARREIRAS



Esse texto é uma prévia de um livro de receitas que a autora, Ciléa Gropillo, prepara, misturando reminiscências e quitutes de dar água na boca.

Quando nasci, cozinhar era coisa de mulher. Mas só em casa. Nos restaurantes era um negócio levado a sério e, portanto, comandado por homens. Ah, na época os homens se achavam; e ,apesar do movimento feminista ter liberado a mulher para algumas atividades predominantemente masculinas, eles imperavam absolutos.
Bem , eu nasci no século passado, durante a II Guerra Mundial. Minha infância foi comum, igual a de todas as meninas de antigamente, que viviam em casas de quintal e tinham mães prendadas. Em criança aprendi de tudo um pouco.E minha vidinha foi , e ainda é, repleta de perfumes, cores. Perfumes das rosas e manacás do jardim, e das cores dos caquis e nêsperas do pequeno pomar do meu pai, que também cultivava uma horta onde cresciam tomates e pimentas vermelhinhas e lindas alfaces verdinhas. E o cheiro de terra molhada quando regávamos as plantinhas.... Tão bom....
Esses perfumes envolveram-me e provocaram-me desejos criativos de, um dia,  fazer coisas que eu ainda não sabia quais seriam, mas que com certeza estariam ligadas às sensações que cresceram comigo e ampliaram-se com a idade.Sensações que guardam um significado, cada uma, lembrança especial. O perfume Fleur de Rocaille, de uma professora de português dos tempos de colégio, que dava aulas com gestos grandiloquentes, sempre com um lenço perfumado na mão direita. Maças ácidas, aquelas de um verde lindo, da casa de um vizinho italiano que meu pai costumava visitar aos domingos e que nos oferecia pequenas maçãs ácidas da sua pequena produção caseira. Era um velhinho muito charmoso. Usava terno de linho branco, gravata colorida e um cheiroso cravo na lapela.
Na cabeça, sempre um chapéu de panamá, que ele, respeitosamente, colocava sobre os joelhos quando nos sentavamos nas cadeiras de vime da varanda. Eles, falando sobre a Itália e a maravilha que era viver no Brasil. Eu sorvendo os perfumes da maçã e do cravo.
Incenso está ligado aos meus tempos de anjinho nas procissões que percorriam o bairro durante a Semana Santa e os dias santos de Nossa Senhora. Do incenso eu gostava, mas as asas penosas eu destestava. Além do mais qualquer crítica aos rituais da igreja me dava medo. Muito medo de olhar para espelho e ver o “coisa ruim”.
Laranja da terra, sempre me remete à minha mãe, grande cozinheira, mulher perfeccionista que me ensinou tudo o que sei.Cheiro de pão assando, era tio Constantino e seu forno de barro construído sob uma imensa parreira de uvas, um jeito bem italiano de perpetuar hábitos ancestrais. Faço pão até hoje e sempre lembro dele e do quintal enorme da casa no Andarai.E assim fui construindo meu castelo de cheiros e cores, onde sempre me senti segura.
Já adulta tornei-me professora, fui jornalista e depois executiva de uma multinacional, mas só descobri minha real aptidão, aquilo para o qual estava destinada quando admiti o poder dos perfumes e das cores, que me tanto me impressionaram durante toda a vida. Voltando às impressões de infância  descobri o patchwork, uma grande oportunidade de brincar com as cores, e voltei à cozinha. Esta volta ao fogão, por incrível que pareça, trouxe-me resultados incríveis. Reconhecimento e prêmio. Com uma receita de bacalhau ganhei o primeiro lugar, no Brasil, pela receita mais criativa e uma viagem à Noruega para conhecer de perto o processo de pesca e salga do peixes.
Por isso quero compartilhá-la com o mundo que compartilha comigo a magia das cores e sabores, o princípio e a continuação da vida.Quem sabe no próximo domingo você queiram experimentar uma receita nova? E por que não a minha? Vamos lá ?





Bacalhau com jeito marroquino
Tempo de preparação: aproximadamente uma hora.
Porções: quatro
Ingredientes:600 g de bacalhau Cod Cadus Morhua, dessalgado, sem pele e hidratado
250 g de cebolas raladas na parte mais grossa do ralador
250 g de cebolas cortadas em gomos mais ou menos finos
300 g de camarões médios bem limpos, temperados com pouco sal e cortados ao meio. Reserve os oito camarões maiores para enfeitar o prato.
1 1/2 copos de cuscuz marroquino (feito como é explicado na caixa. Substitua apenas a manteiga por duas colheres de sopa de azeite).
5 alhos grandes passados no espremedor
1 garrafinha de leite de côco
1 copo de água de bacalhau
8 azeitonas pretas médias sem caroço, cortadas em quatro
2 colheres de sopa de azeite de dendê (se gostar do sabor diferente)
1 colher de sopa de ciboulette (cebolinha francesa) picadinha bem fina
Gotas de pimenta dedo de moça industrializada ou feita em casa, ou pimenta-do-reino (se quiser dar um sabor picante)
Sal a gosto
Azeite nas quantidades pedidas em cada etapa da receita

Modo de preparar e bacalhau:

Separe o bacalhau em lascas grandes, retirando todas as espinhas. Cozinhe as lascas no vapor, em panela especial. Na parte que fica embaixo, com a água, cozinhe as espinhas e as partes do bacalhau que não foram aproveitadas. Essa água, depois de coada, será utilizada no preparo do cuscuz e no cozimento de outros ingredientes. Cozinhe o bacalhau no vapor por ½ hora. Reserve a água coada e o bacalhau, separados.
Numa frigideira antiaderente frite as lascas bacalhau em duas colheres de sopa de azeite, com cuidado para não deixar desmanchar . Reserve.

Modo de preparar o camarão:
Na mesma frigideira refogue dois dentes de alhos passados no espremedor e 250 g de cebolas, cortadas em gomos, em três colheres de sopa de azeite e mexa até as cebolas ficarem transparentes. Adicione os camarões, três colheres de sopa da água de bacalhau e deixe cozinhar por cinco minutos mexendo bem. Os camarões não podem ficar duros. Coloque algumas gotas de pimenta dedo-de-moça ou salpique pimenta-do-reino se gostar do sabor picante. Reserve.


Modo preparar o cuscuz:

Na mesma frigideira refogue 250g de cebola ralada e o alho restante em uma colher de azeite, até dourar. Reserve.
Ferva um copo da água restante do bacalhau com o leite de côco em uma panela média. Retire do fogo e adicione 1 ½ copo de cuscuz marroquino seguindo as instruções da caixinha. Nesta receita de bacalhau usei um pouco mais de líquido para a massa ficar mais macia e substituí a manteiga por duas colheres de sopa de azeite. No resto é igual ao cuscuz simples ensinado na caixinha.
Depois que o cuscuz descansar, conforme as instruções da caixinha, misture as azeitonas, a cebola ralada refogada com o alho, as duas colheres de sopa de  azeite de dendê e a ciboulette(deixe um pouquinho das folhinhas para enfeitar o prato antes de servir).


Arrumação do prato:

Arrume o cuscuz em uma travessa retangular e por cima arrume o bacalhau e a cebola com camarão, tudo ainda quente. Se precisar esquente um pouco. Enfeite com os camarões inteiros e salpique ciboulette. Se usar um prato raso, para porções individuais (como o da foto), enfeite com folhas de alface e fatias de tomate para dar um toque de cor ao prato ou use sua criatividade.
Se gostar, acrescente duas colheres de sopa de castanhas de caju picadas ao cuscuz e reserve um pouco para enfeitar o prato.

Observações finais:

9-     O cuscuz também pode ser enformado e servido com o bacalhau com camarão ao lado. Há várias formas de embelezar o prato. Use sua criatividade.
10-   Sirva com uma salada verde de folhas variadas e tomates.


Ciléa Gropillo

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CARDÁPIO DE CÃO

Pense em Marley, o labrador de 44 kg e totalmente trapalhão do mega-bestseller "Marley e eu", de John Grogan.
Entra na vida de John e Jenny para ajudá-los a testar seus talentos de mãe e pai. Ocupa todos os espaços possíveis, dentro e fora de casa, no coração dos donos e em tudo que os cerca. Está lá quando chegam os bebês, sempre com seu jeitinho temperamental e brincalhão. Mas puro, puro, um modelo de devoção canina.
Você tem um Marley em casa, eu tenho um Marley, muita gente tem.

Agora vamos pensar nas rações compradas a peso de ouro nas petshops e em alguns de seus indesejáveis efeitos colaterais: hormônio demais, por exemplo.
O contraponto para a ração é a comida de cão, bem feitinha no fogão da família, enriquecida com vegetais de todo o tipo. Pratos fartos e deliciosos. Na medida de um cão arrasa-quarteirão e acaba com o estoque de Kleenex feito Marley.
Opções dessse contraponto é o que se pode encontrar no livro "Bom para cachorro", da chef Roberta Sudbrak (SENAC), inspirado num Golden retriever chamado Júnior.
Para ele foi concebido esse 






ENSOPADINHO DO JÚNIOR
300 g de alcatra magra
600 g de couve-flor
120 g de shitake
60 g de gérmen de trigo torrado
5 g de alho
12 g de cebolinha verde fatiada
1 g de sal

Modo de fazer
Corte a alcatra, a couve-flor, o shitake e o alho em pedaços bem pequenos. Coloque os ingredientes em uma panela, acrescente o sal e cubra com água fria. Leve ao fogo e, assim que começar a ferver, abaixe o fogo e cozinhe até que a couve-flor esteja macia. Retire do fogo, acrescente o gérmen de trigo, a cebolinha e deixe descansar com a panela tampada por 15 minutos. Sirva em temperatura ambiente.





domingo, 28 de março de 2010

OS PRATOS DA MEMÓRIA

A primeira página do livro dá o tom. É um pequeno poema:

"Come-se
a lua numa tortilla,
Nos feijões,
sente-se a terra.
Coma chili
e terá sol e fogo.
Beba água
e é o céu a deslizar".
O livro chama-se "Recipe of memory- five generations of Mexican cuisine", escrito por Victor Valle e Mary Lou Valle e publicado pela The New Press, Nova York (1995). A proposta, realizada nos mínimos detalhes, é recriar a história de uma família a partir das receitas que vão passando de mão em mão, de paladar em paladar, de mãe para filha. Na verdade, a investigação do casal Valle vai além desse registro histórico doméstico. Para entender como funcionam os mecanismos de perpetuação desse ou daquele prato, eles acabam investigando o momento político que permitiu às diferentes regiões do país terem o predomínio sobre a cultura e os costumes das outras, bem como o desenvolvimento de "culturas" paralelas, como a dos pequenos hotéis ou paradores.
Sem pretensões, Victor e Mary Valle fazem história cultural da boas, como aponta Elena Poniatowska em seu prefácio. Das páginas de seu livro emerge a cidade de Guadalajara em toda sua criatividade gastronômica, e figuras artísticas da região de Jalisco como os pintores Orozco e Diego Rivera, ou o escritor espanhol Ramón del Valle Inclan, apaixonado pela mulher de Rivera, Luper Marín. Brotam, igualmente, birrias- prato com carneiro, uma sopa chamada posole, receitas com pombos, batatas-doces, amêndoas, e imagens de casas da cor do barro, pontilhadas por buganvíleas e gerânios.


CONSOMÊ VIOLENTO

A receita deve esse nome à maneira como a gema de ovo e um pouco de xerez é batido e introduzido num caldo fumegante pouco antes de servir. É importante escolher um xerez espanhol legítimo, pois são mais secos do que doces.

SOPA
2 colheres de chá de azeite
1 cebola  média, cortada em pedaços
1 xícara de tomates assados, pelados e cortados
5 xícaras de puchero (ver receita abaixo)
1/2 colher de chá de noz moscada
1/4  colher de chá de pimenta branca
1 folha grande de louro
1/2 colher de chá de sal
1 gema de ovo, batida
1/8 xícara de xerez
1/4 xícara de salsa picada





PUCHERO
2/4 de xícra de água gelada
1 kg de carne picada
250 g de frango
1/2 xícara de grão de bico previamente cozidos
1 cebola média picada
2 cenouras médias , peladas e cortadas pela metade
1 cabeça de alho
1 nabo, pelado e cortado
1 nabiça, pelada e cortada
1 folha de louro
1/2 colher de chá de pimenta branca
1/2 colher de chá de sal
4 folhas de salsa
1 abóbora média ou abobrinha cortada

Junte numa panela a água, a carne, o frango e o grão de bico. Junte a cebola, alho, cenouras, nabo, nabiça, louro, pimenta, sal e salsa. Deixe o caldo levantar fervura. Diminua o fogo e cubra o caldo por 1 hora e meia. Junte a abóbora ou abobrinha 15 minutos antes de servir. Retire os legumes e carenes. Coe o caldo e leve-o à  geladeira por pelo menos uma hora. Retire a gordura que se formará na superfície.

CROUTONS
3 colheres de chá de manteiga
2 colheres de chá de azeite
3 fatias de pão dormido cortado em formato triangular





PREPARAÇÃO
Esquente uma colher de azeite numa panela média em fogo moderado e deixe dourar a cebola por três ou quatro minutos até amaciar. Remova a cebola da panela e num processador bata a cebola com o tomato até formar uma mistura cremosa.
Esquente o restante do azeite em fogo alto. Reduza o fogo para médio e adicione a mistura de tomates e cebola. Ela deverá ferver em contato com o azeite. Deixe refogar por cerca de 2 minutos. Adicione a noz moscada, a pimenta, louro, sal e reduza o fogo, deixando cozinhar por cerca de 5 minutos. Coloque a mistura de tomates numa panela para sopa contendo 5 xícaras pré-aquecidas de puchero, deixe ferver e depois cozinhar por 10 minutos. Remova a folha de louro.
Prepare os croutons enquanto a sopa ferve. Esquente o azeite e a manteiga, adicione os pedaços de pão e deixe-os dourar. Separe os croutons.
Coloque a sopa na sopeira e a coloque na mesa. Imediatamente introduza a gema batida e em seguida o xerez. Sirva a sopa enfeitando cada prato com salsa e croutons

sábado, 28 de novembro de 2009

A VISÃO DA COXIA

"A casa das lembranças perdidas", da australiana Kate Morton, foi um fenômeno de vendas na Inglaterra, onde ultrapassou o patamar de um milhão de exemplares lidos. A história não podia ser mais autorreferentemente britânica. A queda de uma família tradicional, os Ashbury, vista pelos olhos de uma criada, Grace, que começa como arrumadeira, passa a camareira, e termina seus dias alforriada, com doutorado numa universidade e de bem com a vida, exceto por um detalhe. Nunca conseguiu superar sua relação com a família que a acolheu aos 14 anos, nem as lembranças das tragédias de que foi testemunha e coadjuvante.
É da rotina de Grace na casa de Riverton que tratam os primeiros capítulos do livro, ricos em descrições como esta
" No centro da toalha de linho branco, nós espalhamos hera e arrumamos rosas cor-de-rosa ao redor de fruteiras de cristal cheias de frutas. Estes enfeites me agradavam; eram muito bonitos e combinavam perfeitamente com o melhor aparelho de jantar de milady- um presente de casamento, Nancy disse, dos Churchill, nada menos".
A visão de jantares, festas, a partir da coxia, da cozinha, do corredor onde os criados se revezavam pegando os pratos e repassando-os para a copa, é uma das criações mais notáveis de Kate Morton.
"Eu observava encantada enquanto um prato atrás do outro de comidas maravilhosas era despachado lá para cima- sopa de tartaruga, peixe, miúdos, codorna, aspargos, batatas, tortas de damasco, manjar branco- e desciam pratos sujos e travessas vazias".
Ou
" O peixe seguiu-se à sopa de ervilhas, o faisão veio em seguida ao peixe e tudo estava indo bem. Nancy aparecia de vez em quando lá embaixo, fornecendo informações bem-vindas do decorrer da festa. Embora trabalhando uma velocidade fantástica, a Sra.Towsend nunca estava ocupada demais para uma atualização do desempenho de Hannah como anfitriã. Ela balançou afirmativamente a cabeça quando Nancy anunciou que, embora a Srta. Hannah estivesse se saindo bem, seus modos ainda não eram tão charmosos quanto os da avó".
Abaixo, a receita ( estilizada) do que poderia ser uma das especialidades da cozinheira da mansão Riverton, a Sra.Towsend, cujas tortas de "massa dourada e crocante" nunca eram suficientemente elogiadas.

TORTA DE FRANGO E COGUMELOS

recheio
2 colheres de sopa de óleo
1 cebola picada
1 dente de alho amassado
125 g de cogumelos fatiados
1 colher de sopa de farinha de trigo integral
2 xícaras de caldo de galinha
500 g de frango cozido e cortado em cubinhos
1 colher de sopa de salsa picada
sal e pimenta


massa
250 g de farinha de trigo integral
1 pitada de sal
125 g de margarina ou manteiga
2 ou 3 colheres de sopa de água
1 ovo para pincelar

Coloque a farinha e o sal numa tigela e acrescente a manteiga, mexendo até a mistura lembrar migalhas de pão. Junte a água e misture até obter uma massa firme. Leve ao refrigerador por 15 minutos..
Enquanto isso, aqueça o óleo num panela e frite a cebola até que fique macia. Adicione o alho e os cogumelos e cozinhe o caldo e mexa até misturar completamente. Leve novamente ao fogo e ferva, mexendo até engrossar. Adicione os ingredientes restantes e tempere a gosto com o sal e a pimenta. Misture bem e transfira para uma travessa com capacidade para 1,2 l.
Abra a massa de modo a obter um diâmetro de 5 cm a mais que o do prato. Recorte uma tira fina ao redor da massa e pouse-a sobre a borda umedecida do prato. Umedeça a tira e depois cubra com a massa, pressionando as bordas firmemente.
Acerte as beiradas, decore com folhas feitas dos restos recortados das bordas e faça um buraco no centro. Pincele com o ovo batido e asse em forno preaquecido, moderamente quente, por 30 min, até dourar. Sirva quente.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

MUFFINS À LA OSCAR WILDE

Aprendi a fazer muffins quando menina, porque uma vizinha tinha uma receita incrível e era delicioso testá-la em mil e uma combinações.
Mas os muffins ganharam um sabor especial quando, com cerca de 17 anos, descobri a obra teatral de Oscar Wilde. Eu era apaixonada por teatro, e a verve de Wilde, com sua certeira pontaria contra a sociedade do seu tempo- a mesma que lhe daria durissimo troco, mais tarde, em seu processo de corrupção- era um prato cheio de jogos de palavras, chistes, blagues, trocadilhos. Gostava de "O leque de lady Windermere" mas, sem dúvida, a minha peça favorita era "A importância de ser Prudente" ou "Ernesto", segundo o original. Eu a havia visto na televisão, na versão cinematográfica com sir Michael Redgrave, então podia imaginar, perfeitamente, os bigodes fremindo, o arquear de sobrancelhas e o stiff upperlip, o lábio superior rígido como a educação vitoriana, a cada cena ou página lida. E a altercação em torno do muffin era ( e continua sendo) impagável. Para acompanhá-la melhor, vale entender a trama. Algernon, encarnação do próprio Wilde, é um dândi sem escrúpulos que se apaixona por Cecily, tutelada de Jack que, por sua vez, ama e é correspondido por lady Gwendoleen, prima de Algernon. Os dois cavalheiros não poderiam ser mais diferentes. Até porque Jack é epítome da correção e da retidão de espírito. Ao final da peça, além dos amores correspondidos, vem a grande revelação: Jack e Algernon, não só são irmãos, como ambos se chamam Ernest, o nome preferido pelas damas.

CONFIRA O TRECHO DA PEÇA:
Jack: Como você pode ficar aí sentado, calmamente comendo muffins, enquanto há um terrível problema a resolver, não consigo entender. Você parece não ter coração.
Algernon: Bom, eu não posso comer muffins de maneira agitada. A manteiga provavelmente sujaria meus punhos. Deve-se comer muffins calmamente. É a única maneira correta de comê-los.
Jack : O que estou dizendo é que é perfeitamente desalmado comer muffins, da maneira que for, nessas circunstâncias.
Algernon: Quando tenho problemas, comer é a única coisa que me consola. Na verdade, quando estou realmente enrascado, como qualquer pessoa que me conhece intimamente poderia lhe assegurar, recuso tudo, exceto comida e bebida. No momento presente estou comendo muffins porque estou desgostoso. Além do mais, realmente aprecio muffins (erguendo-se).
Jack: Isso não justifica você comê-los tão vorazmente (pega uns muffins).
Algernon: (oferecendo um bolo) Eu preferia que você comesse do bolo, não gosto de bolo.
Jack:Céus! Imagino que um homem possa comer os muffins servidos em seu próprio jardim.
Algernon: Mas você acabou de dizer que é desalmado comer muffins.
Jack: Eu disse que era desalmado você comê-los, nas circunstâncias, o que é muito diferente.
Algernon: Pode até ser. Mas os muffins são os mesmos ( ele pega o prato da mão de Jack).
(ato II, cena 2).
Muffin que se preze tem que ter forma própria e recheios variados. Abaixo a receita básica da tia Consuelo( ficam muito parecidos com os de Wilde). Versões mais sofisticadas e variadas, com chocolate branco e fudge, podem ser encontradas no livro "Receitas caseiras- Muffins", das edições h.f.ullmann, coleção Le Cordon Bleu.





MUFFINS
Peneirar bem:
2 xícaras rasas de farinha de trigo
3 colheres de chá de fermento
3 colheres de sopa de açúcar
1 colher de chá de sal
4 colheres de sopa de manteiga
1 ovo
1 xícara e 1/4 de leite
Acenda o forno. Unte as forminhas. Peneire a farinha e os ingredientes secos. Ponha a farinha numa tigela, meça a manteiga e, com o garfo, vá cortando a manteiga dentro da farinha, até parecer farinha de milho grossa. Quebre o ovo numa tigela e bata com o garfo. Junte com o leite. Misture bem. Ponha dentro da tigela de farinha. Mexer um pouco, levemente, até umedecer toda a farinha. Fica uma massa grumosa. Com uma colher, encha as forminhas. Asse em forno muito quente. Pode usar passas na massa ou casca de limão ralada.

VEJA A CENA DOS MUFFINS CLICANDO ABAIXO
http://www.youtube.com/watch?v=NSMF_yJTyXY&feature=related
VEJA O TRAILER DO FILME DE 1952 COM  MICHAEL REDGRAVE
http://www.youtube.com/watch?v=3vt37AR-5H8&NR=1
VEJA O TRAILER DO FILME DE 2002 COM COLIN FIRTH
http://www.youtube.com/watch?v=U42lBo8fST8&feature=related

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

DELICADEZAS CHINESAS



Há quem seja entusiasta de Lin Yutang, quem tenha se enamorado dos livros de Pearl Buck e quem, sendo de uma geração mais recente, tenha se rendido aos encantos de Amy Tan, Anchee Min e Lisa See.
Confesso que sou dessas últimas. Da primeira, me deixei seduzir pelo "O clube da felicidade e da sorte", a obra mais bem acabada de Tan, autora sino-americana. Relato em duas gerações dos contrastes entre a vida da mulher na China antes de Mao, e das suas descendentes na San Francisco de hoje em dia, "O clube" consegue comover, sem ser piegas. Anchee Min se especializou em mulheres terríveis: Madame Mao e a Imperatriz Orquidea, personagem nefasta que aparece em todo seu esplendor no filme de Bertolucci, "O último imperador". Os relatos de Min são pincelados de sensualidade e crueldade, em doses iguais. Lisa See, no entanto, fenômeno recente nas listas de mais vendidos americanas, surpreende pela delicadeza. "Flor de neve e o leque secreto" fala da linguagem proibida das mulheres, "As palavras do amor", de uma paixão que ultrapassa a morte.
Em todas as três autoras envolve o leitor, sobretudo, a riqueza da recriação de uma cultura distante e de belissimos detalhes. Um antídoto perfeito ao estereótipo chinês que a globalização nos impôs: pastelarias e lojas de badulaques a 1,99.
A receita aqui escolhida,helàs, parecerá a paladares requintados uma citação do clichê. Mas não é. São deliciosos pastéis chineses, diferentissimos do nosso pastel servido com caldo de cana. A receita é extraída de "O livro da comida chinesa", de Jasper Spencer-Smith ( Manole).

PASTÉIS DE CAMARÃO
450g de camarões crus descascados e moídos
115g de brotos de bambu em conserva, picados
4 colheres ( de sopa) de água
1 1/2 colher (de sopa) de molho de soja
1/2 colher (de sopa) de vinho de arroz (saquê) ou xerez seco
1/2 colher (de chá) de açúcar
1/2 colher (de chá) de óleo de gergelim
Pimenta do reino preta moída, a gosto
1 1/2 colher (de sopa) de maisena

Massa:
450g de farinha de trigo comum
115 mil de água fervendo
70 ml de água fria
1 colher (de sopa) de óleo vegetal

Para fazer o recheio, misture todos os ingredientes, exceto a maisena até a mistura estar bem lisa. Junte a maisena. Divida em 30 porções.
Para fazer a massa. Coloque 315 g de farinha em uma tigela de tamanho medio. Use o restantes para enfarinhar as mãos. Junte a água fervendo. Adicione a água fria e o óleo. Misture para formar uma massa: sove até ficar macia. Forme com a massa um rolo comprido ( como para fazer nhoque) e corte em 30 pedaços. Use um rolo de macarrão para abrir cada porção em um círculo com aproximadamente 5 cm de diâmetro e espessura bem fina.
Coloque 1 porção de recheio no meio do círculo de massa. Junte as pontas e aperte-as para fechar, formando uma corda nas bordas. Repita com os círculos e os recheios restantes.
Forre um cesto de cozinhar no vapor com um pano úmido. Coloque os pastéias a cerca de 2,5 cm de distância um do outro. Cozinhe no vapor por cerca de 5 minutos. Retire e sirva. Faz 30 pastéis.
obs: esses pastéis também podem ser fritos ou assados, resultando numa massa sequinha e crocante.