domingo, 25 de julho de 2010

SOB O DOSSEL DE PARREIRAS



Esse texto é uma prévia de um livro de receitas que a autora, Ciléa Gropillo, prepara, misturando reminiscências e quitutes de dar água na boca.

Quando nasci, cozinhar era coisa de mulher. Mas só em casa. Nos restaurantes era um negócio levado a sério e, portanto, comandado por homens. Ah, na época os homens se achavam; e ,apesar do movimento feminista ter liberado a mulher para algumas atividades predominantemente masculinas, eles imperavam absolutos.
Bem , eu nasci no século passado, durante a II Guerra Mundial. Minha infância foi comum, igual a de todas as meninas de antigamente, que viviam em casas de quintal e tinham mães prendadas. Em criança aprendi de tudo um pouco.E minha vidinha foi , e ainda é, repleta de perfumes, cores. Perfumes das rosas e manacás do jardim, e das cores dos caquis e nêsperas do pequeno pomar do meu pai, que também cultivava uma horta onde cresciam tomates e pimentas vermelhinhas e lindas alfaces verdinhas. E o cheiro de terra molhada quando regávamos as plantinhas.... Tão bom....
Esses perfumes envolveram-me e provocaram-me desejos criativos de, um dia,  fazer coisas que eu ainda não sabia quais seriam, mas que com certeza estariam ligadas às sensações que cresceram comigo e ampliaram-se com a idade.Sensações que guardam um significado, cada uma, lembrança especial. O perfume Fleur de Rocaille, de uma professora de português dos tempos de colégio, que dava aulas com gestos grandiloquentes, sempre com um lenço perfumado na mão direita. Maças ácidas, aquelas de um verde lindo, da casa de um vizinho italiano que meu pai costumava visitar aos domingos e que nos oferecia pequenas maçãs ácidas da sua pequena produção caseira. Era um velhinho muito charmoso. Usava terno de linho branco, gravata colorida e um cheiroso cravo na lapela.
Na cabeça, sempre um chapéu de panamá, que ele, respeitosamente, colocava sobre os joelhos quando nos sentavamos nas cadeiras de vime da varanda. Eles, falando sobre a Itália e a maravilha que era viver no Brasil. Eu sorvendo os perfumes da maçã e do cravo.
Incenso está ligado aos meus tempos de anjinho nas procissões que percorriam o bairro durante a Semana Santa e os dias santos de Nossa Senhora. Do incenso eu gostava, mas as asas penosas eu destestava. Além do mais qualquer crítica aos rituais da igreja me dava medo. Muito medo de olhar para espelho e ver o “coisa ruim”.
Laranja da terra, sempre me remete à minha mãe, grande cozinheira, mulher perfeccionista que me ensinou tudo o que sei.Cheiro de pão assando, era tio Constantino e seu forno de barro construído sob uma imensa parreira de uvas, um jeito bem italiano de perpetuar hábitos ancestrais. Faço pão até hoje e sempre lembro dele e do quintal enorme da casa no Andarai.E assim fui construindo meu castelo de cheiros e cores, onde sempre me senti segura.
Já adulta tornei-me professora, fui jornalista e depois executiva de uma multinacional, mas só descobri minha real aptidão, aquilo para o qual estava destinada quando admiti o poder dos perfumes e das cores, que me tanto me impressionaram durante toda a vida. Voltando às impressões de infância  descobri o patchwork, uma grande oportunidade de brincar com as cores, e voltei à cozinha. Esta volta ao fogão, por incrível que pareça, trouxe-me resultados incríveis. Reconhecimento e prêmio. Com uma receita de bacalhau ganhei o primeiro lugar, no Brasil, pela receita mais criativa e uma viagem à Noruega para conhecer de perto o processo de pesca e salga do peixes.
Por isso quero compartilhá-la com o mundo que compartilha comigo a magia das cores e sabores, o princípio e a continuação da vida.Quem sabe no próximo domingo você queiram experimentar uma receita nova? E por que não a minha? Vamos lá ?





Bacalhau com jeito marroquino
Tempo de preparação: aproximadamente uma hora.
Porções: quatro
Ingredientes:600 g de bacalhau Cod Cadus Morhua, dessalgado, sem pele e hidratado
250 g de cebolas raladas na parte mais grossa do ralador
250 g de cebolas cortadas em gomos mais ou menos finos
300 g de camarões médios bem limpos, temperados com pouco sal e cortados ao meio. Reserve os oito camarões maiores para enfeitar o prato.
1 1/2 copos de cuscuz marroquino (feito como é explicado na caixa. Substitua apenas a manteiga por duas colheres de sopa de azeite).
5 alhos grandes passados no espremedor
1 garrafinha de leite de côco
1 copo de água de bacalhau
8 azeitonas pretas médias sem caroço, cortadas em quatro
2 colheres de sopa de azeite de dendê (se gostar do sabor diferente)
1 colher de sopa de ciboulette (cebolinha francesa) picadinha bem fina
Gotas de pimenta dedo de moça industrializada ou feita em casa, ou pimenta-do-reino (se quiser dar um sabor picante)
Sal a gosto
Azeite nas quantidades pedidas em cada etapa da receita

Modo de preparar e bacalhau:

Separe o bacalhau em lascas grandes, retirando todas as espinhas. Cozinhe as lascas no vapor, em panela especial. Na parte que fica embaixo, com a água, cozinhe as espinhas e as partes do bacalhau que não foram aproveitadas. Essa água, depois de coada, será utilizada no preparo do cuscuz e no cozimento de outros ingredientes. Cozinhe o bacalhau no vapor por ½ hora. Reserve a água coada e o bacalhau, separados.
Numa frigideira antiaderente frite as lascas bacalhau em duas colheres de sopa de azeite, com cuidado para não deixar desmanchar . Reserve.

Modo de preparar o camarão:
Na mesma frigideira refogue dois dentes de alhos passados no espremedor e 250 g de cebolas, cortadas em gomos, em três colheres de sopa de azeite e mexa até as cebolas ficarem transparentes. Adicione os camarões, três colheres de sopa da água de bacalhau e deixe cozinhar por cinco minutos mexendo bem. Os camarões não podem ficar duros. Coloque algumas gotas de pimenta dedo-de-moça ou salpique pimenta-do-reino se gostar do sabor picante. Reserve.


Modo preparar o cuscuz:

Na mesma frigideira refogue 250g de cebola ralada e o alho restante em uma colher de azeite, até dourar. Reserve.
Ferva um copo da água restante do bacalhau com o leite de côco em uma panela média. Retire do fogo e adicione 1 ½ copo de cuscuz marroquino seguindo as instruções da caixinha. Nesta receita de bacalhau usei um pouco mais de líquido para a massa ficar mais macia e substituí a manteiga por duas colheres de sopa de azeite. No resto é igual ao cuscuz simples ensinado na caixinha.
Depois que o cuscuz descansar, conforme as instruções da caixinha, misture as azeitonas, a cebola ralada refogada com o alho, as duas colheres de sopa de  azeite de dendê e a ciboulette(deixe um pouquinho das folhinhas para enfeitar o prato antes de servir).


Arrumação do prato:

Arrume o cuscuz em uma travessa retangular e por cima arrume o bacalhau e a cebola com camarão, tudo ainda quente. Se precisar esquente um pouco. Enfeite com os camarões inteiros e salpique ciboulette. Se usar um prato raso, para porções individuais (como o da foto), enfeite com folhas de alface e fatias de tomate para dar um toque de cor ao prato ou use sua criatividade.
Se gostar, acrescente duas colheres de sopa de castanhas de caju picadas ao cuscuz e reserve um pouco para enfeitar o prato.

Observações finais:

9-     O cuscuz também pode ser enformado e servido com o bacalhau com camarão ao lado. Há várias formas de embelezar o prato. Use sua criatividade.
10-   Sirva com uma salada verde de folhas variadas e tomates.


Ciléa Gropillo

Um comentário:

Maria Alice Paes Barretto disse...

Nesssas horas é que eu adoraria saber cozinhar. Essa receita é dos deuses!!!!! Ou melhor, da deusa Ciléa.