domingo, 5 de julho de 2009

BATATAS AO MURRO



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Álvaro de Campos

É muito engraçado. Acabo de me dar conta que as minhas primeiras investidas culinárias foram, na verdade, um escape às frustrações adolescentes. Todas as vezes que me sentia humilhado, rejeitado, aviltado de alguma maneira, corria para a cozinha e preparava uma omelete. Aliás, o soufflante de minhas omeletes, claras batidas até o "ponto de castelo", gemas passadas na peneira fina para retirar a película, era inversamente proporcional à contrição da alma. Lembro de um domingo quando voltava da missa e vi, num cantinho da praça, lá perto de casa, a então "razão da minha vida" atracada com um de nossos amigos. Foi a melhor omelete que jamais preparei.
Passados os anos e repassando, agora, o poema de Fernando Pessoa, inteiramente identificado com seu heterônimo, envio essa adaptação das tradicionais batatas ao murro portuguesas.
Suspeito que, se tivesse consultado um bom psicólogo, concluiria que isso não é uma receita, mas uma vingança.


BATATAS AO MURRO, à minha moda

Tome batatas médias, daquelas bem sujas, lave-as com uma escovinha e leve-as ao forno, com casca e tudo. Faça-as arder por mais ou menos 40 minutos. Retire, espere esfriar um pouco e, com o punho fechado, dê uma boa porrada sobre cada uma delas, de forma que rachem, mas não se esfacelem. Da mesma maneira como faria com aquele desafeto que você desejaria mandar para o purgatório, mas não para o inferno. À parte, num pilão, soque, com o íntimo prazer de estr subjugando a todos sob seus pés, um pequeno dente de alho, sal grosso, alecrim, tomilho, manjerona e manjericão o quanto bastem, vá juntando azeite aos poucos ( se tiver um perfumado com trufas, melhor ainda), até formar um caldo espesso. Regue cada batata com um punhado desse caldo, de maneira que o líquido penetre nas suas rachaduras, e leve ao forno mais uma vez, até que fiquem com bela aparência de assadas.
Sirva-as assim, quentinhas, acompanhando um bom naco de bacalhau cozido ou grelhado, ou mesmo, uma boa posta de peixe frito.
Esta é uma adaptação minha da receita tradicional portuguesa. Modestissima à parte, tenho certeza que os lusos assinariam embaixo desse ímpeto heterodoxo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Joaquim,
Escrever transformou-se num dom de família? Além de excelente cozinheiro,como se dizia na minha época em que homem não sabia cozinhar, você escreve muito bem.
Sou sua fã , sua admiradora e sua eterna provadora, sem pre pronta a saborear as maravilhas que você faz.
Minha bênção.
Didinha